* texto escrito por Lívia Saavedra
Meu caro Simão,
Vivi um amor de sonho. Vivi um amor proibido. Fugi com Romeu para a cidade eterna. E eu? Eternamente apaixonada pelo Romeu. Ele me fazia as loucuras dum homem apaixonado. Cortejava-me a todo instante. Romeu fazia jus ao seu nome. E eu, fugida de mim, vivia o post componendo de Shakespeare. Doce, feliz, bem amada. Mal sabia o que aquele último verão me guardava...
Saí de casa, num desses sábados de manhã de verão. Bem quente. Mas, suave. Um quente fresco, longe daquele angustiante de nossa ilha. Saí para fazer a feira. Saí com Romeu na minha cabeça e na metade direita da minha cama. Olhei-o por tantos minutos, deitado ali, tão vulnerável à minha paixão. Julguei que era com esse homem, que via com tanta contemplação, era o homem com quem eu passaria toda a minha vida. Depois de ontem, quando ele veio com todo o romance no ar e eu, toda derretida por ele...
Acontece que, no caminho da feira, estava tão ausente do presente, lembrando de ontem e de anteontem e de outros dias mais românticos ainda, que esqueci a carteira. Tinha que voltar em casa.
E lá estava Romeu. Na minha cama. Não deitado. Quer dizer, mais ou menos... a posição não importa. Lá estava Romeu, nos braços [e pernas] da Vânia. É. A Vânia, a menina brasileira do andar debaixo do nosso, e que agora, via eu, um nível abaixo do pudor que o meu e um nível acima da sexualidade. Ah... despedacei-me toda. Era o fim. O meu silêncio foi surpreendente. Não quis atrapalhar. Peguei minha carteira e umas roupas estendidas no varal da cozinha, enquanto escutava todo aquele barulho sensual vindo do quarto... do meu quarto... e do Romeu também... e, agora, da Vânia.
Peguei a primeira condução ao Fiumiccino. Estava decidida: voltaria à ilha. Mas, quando sentei-me no embarque e o telefone tocando incansavelmente, deu-me uma saudade do Romeu. Daqueles dias que, havia pouco tempo, eu lembrava. De como ele era tão sincero com aquele olhar cansado. Oh, o Romeu querido, o meu Romeu lindo... que agora, não é mais meu, mesmo que ele negue o que vi e que eu o perdoe.
Agora, todos aqueles dias inesquecíveis são muito menos inesquecíveis que este, este mesmo em que vi a Vânia, tão cordial, tão linda, agarrar o meu Romeu, como se fosse o último homem do mundo!
Naquele mesmo dia, em que estava apaixonada, depois distraída, depois traída, depois triste e depois decidida, resolvi que deveria encontrar o Osvaldo. E esqueci-me do voo que saía.
Talvez, Osvaldo salvasse a minha vida. Talvez, fosse a minha vez. Mas, quando o vi, ele falava que havia te deixado sozinho em um lugar do mundo, deixara recado e mandara e-mails... que tu não respondeu.
Quando me escutou, só o que disse foi: "o que aconteceu com o Simão?"
Desd'aquele dia, estou em Lisboa, então. Ainda não sou eu plenamente aqueloutra mulher apaixonada, muito menos por um Romeu charlatão.
Como estão as coisas aí? Espero que estejam bem melhores que aqui.
E o Osvaldo? Aonde está?
Com Carinho,
Lívia Saavedra.