terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Frases de Osvaldo

Mais uma vez, aparece-me o tal salvador de vidas e todo embriagado pela altivez das suas frases e pela popularidade com a massa. Da calçada do outro lado, eis as "sábias" frases deste torpor incessante de quem fala o óbvio:
"Quando estou triste, é porque não estou feliz."
"Estou vendo com os meus olhos o que a minha vista é capaz de ver."
"Se estivesse assim, não estaria assim."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

No Escritório - 09


No escritório, trabalhávamos somente nós os dois, eu e Eliézer.
Uma manhã, coloquei um nariz de palhaço e disse:
_ Ontem fui ao circo.
_ E então?
_ A malabarista queria que eu tirasse uma foto com um gajo vestido de Mickey.
_ E tiraste?
_Claro que não! Disse que se calhar não ficava bem uma pessoa mais alta que o Mickey posar para uma foto com ele.
_E a mulher?
_Olhou-me de cara feia e mandou-me sentar.

E voltei a guardar o nariz de palhaço.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Fogo no andar de cima

Pegou fogo no andar acima do andar onde estão os três de sempre: Tito, Maranhão e Cascavel.
O primeiro, sempre atento e vigilante, anunciou aos outros dois, que não o escutaram com tanta atenção nem razão, afinal faziam coisas muito mais importantes, julgaram ser um alarido comum dele.
Mas, o Tito tinha razão. Havia fogo no andar de cima!
De nada adiantava, o Tito continuava alarmando. Pegou uma camisa, vestiu-a e correu... para cima. Para o andar de cima. E sim! Sim! Era fogo!
Saiu descendo as escadas, em polvorosa, em desespero total. Gritando aos sete mundos presentes naquele prédio:
- É fogo!
Começou aquela movimentação das tragédias. Surgiram pessoas que nunca apareceram, descendo as escadas de Tito. Ele, perplexo, ainda não acreditava no que via e mesmo assim gritava e gritava.
- É fogo! Fogo! Chamem os bombeiros! Tem fogo no 4o. andar.
Desceu, então, Tito.
Ao passar pelo terceiro andar, viu o Cascavel com o seu bolo de papeis mal organizado, a caneta na orelha direita e os óculos no rosto. Junto dele, Maranhão com a TV seminova e enorme debaixo do braço, uma das sandálias escapando do pé e o fio enrolando e desenrolando a outra perna. Numa corrida atrapalhada, desenfreada, mais desesperada ainda a cada passo.
Os dois iam descer.
Desceram. Um lutando com papeis e o outro tropeçando no fio que liga a TV, as coisas que eram tão importantes.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Enquanto lia, outra vez, o livro no meu quarto...
O sujeito com a capa preta, outra vez, passa pela porta fechada. Pela porta. Sem abrir tampouco fechar a porta ainda fechada.
Coloca a mão branca e ossuda em cima do livro que leio. Pende-o para si. Encara-me e diz:
"Eu sou o que não existe."
Trago o livro de volta a mim e cheio de enfado, sem olhar para o sujeito atravessador de portas, digo:
"Existe sim, devolva a minha escova e da próxima vez, ao menos, bata na porta, entre como alguém que existe de verdade."
Vi, por canto de olho, sair, outra vez, sem sequer mexer na porta.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Lia um livro ontem no meu quarto.
De repente, entrou um sujeito pela porta, sem abrir ou fechar. Pela porta. Foi no banheiro e saiu. Sem abrir a porta.
Vestia preto, uma longa capa de chuva, não molhada. Não pude distinguir se era homem ou mulher.
Se alguém ver esse sujeito, faça-me o favor de lhe dizer para devolver a minha escova de dentes.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Romeu charlatão

* texto escrito por Lívia Saavedra

Meu caro Simão,

Vivi um amor de sonho. Vivi um amor proibido. Fugi com Romeu para a cidade eterna. E eu? Eternamente apaixonada pelo Romeu. Ele me fazia as loucuras dum homem apaixonado. Cortejava-me a todo instante. Romeu fazia jus ao seu nome. E eu, fugida de mim, vivia o post componendo de Shakespeare. Doce, feliz, bem amada. Mal sabia o que aquele último verão me guardava...
Saí de casa, num desses sábados de manhã de verão. Bem quente. Mas, suave. Um quente fresco, longe daquele angustiante de nossa ilha. Saí para fazer a feira. Saí com Romeu na minha cabeça e na metade direita da minha cama. Olhei-o por tantos minutos, deitado ali, tão vulnerável à minha paixão. Julguei que era com esse homem, que via com tanta contemplação, era o homem com quem eu passaria toda a minha vida. Depois de ontem, quando ele veio com todo o romance no ar e eu, toda derretida por ele...
Acontece que, no caminho da feira, estava tão ausente do presente, lembrando de ontem e de anteontem e de outros dias mais românticos ainda, que esqueci a carteira. Tinha que voltar em casa.
E lá estava Romeu. Na minha cama. Não deitado. Quer dizer, mais ou menos... a posição não importa. Lá estava Romeu, nos braços [e pernas] da Vânia. É. A Vânia, a menina brasileira do andar debaixo do nosso, e que agora, via eu, um nível abaixo do pudor que o meu e um nível acima da sexualidade. Ah... despedacei-me toda. Era o fim. O meu silêncio foi surpreendente. Não quis atrapalhar. Peguei minha carteira e umas roupas estendidas no varal da cozinha, enquanto escutava todo aquele barulho sensual vindo do quarto... do meu quarto... e do Romeu também... e, agora, da Vânia.
Peguei a primeira condução ao Fiumiccino. Estava decidida: voltaria à ilha. Mas, quando sentei-me no embarque e o telefone tocando incansavelmente, deu-me uma saudade do Romeu. Daqueles dias que, havia pouco tempo, eu lembrava. De como ele era tão sincero com aquele olhar cansado. Oh, o Romeu querido, o meu Romeu lindo... que agora, não é mais meu, mesmo que ele negue o que vi e que eu o perdoe.
Agora, todos aqueles dias inesquecíveis são muito menos inesquecíveis que este, este mesmo em que vi a Vânia, tão cordial, tão linda, agarrar o meu Romeu, como se fosse o último homem do mundo!
Naquele mesmo dia, em que estava apaixonada, depois distraída, depois traída, depois triste e depois decidida, resolvi que deveria encontrar o Osvaldo. E esqueci-me do voo que saía.
Talvez, Osvaldo salvasse a minha vida. Talvez, fosse a minha vez. Mas, quando o vi, ele falava que havia te deixado sozinho em um lugar do mundo, deixara recado e mandara e-mails... que tu não respondeu.
Quando me escutou, só o que disse foi: "o que aconteceu com o Simão?"
Desd'aquele dia, estou em Lisboa, então. Ainda não sou eu plenamente aqueloutra mulher apaixonada, muito menos por um Romeu charlatão.
Como estão as coisas aí? Espero que estejam bem melhores que aqui.
E o Osvaldo? Aonde está?

Com Carinho,
Lívia Saavedra.