quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Quando eu era miúdo...

... não calçava chinelas e não tinha a camisa do Botafogo. No aniversário do meu primo, na casa da minha avó, ele ganhou a camisa... do Flamengo. A 10. Do Zico. E eu via, deslumbrado, ele vesti-la. Caía tão bem a camisa 10 naquele garoto. Ainda mais a 10 do Flamengo. Do Zico! Campeão do mundo do ano anterior!
A festa corria bem até quando começar o torneio de futebol. Acho que estávamos todos os meninos de todas as ruas da cidade. Formaram-se quatro times com 18 em cada. E todos foram à loucura, quando o Bolinha - o que organizava e intermediava todas as ações daquele dia dos meninos de 6, 7 e 8 anos no máximo - lançou, uníssono, a regra: "2 gols ou 10 minutos. Quem vencer vai pra final!"
E eu, claro, o primeiro a ser escolhido pelo meu primo. Ele tinha um ano a mais que eu. E isso é uma vida, para duas crianças. Tinha-me ele como um filho, adotava-me e protegia-me de todos os outros mais velhos, amigos dele e eu até saboreava um ar orgulhoso de fazer parte da turma dos que tem 8 anos. Apesar de aparentar ter 5 ou 6, na altura dos meus últimos meses de 7 anos.
O time, confesso eu, era o melhor do torneio. E a primeira partida... era contra um outro punhado de meninões pequenos e grandes verdadeiramente menos habilidosos que nós.
Meu primo envergava aquela camisa nova, a tarde começava a terminar e o torneio tinha que começar. Levamos o primeiro gol logo no primeiro chute de um gordinho bem branco e com cabelos nos olhos... indignação total! Com o Bolinha, com o goleiro, com o gordinho. Afinal, nós éramos os melhores. Melhores em tudo.
O meu primeiro toque na bola foi quando já estava 0-1. E não foi bem um toque. A bola passou pelo pequenino espaço entre o meu pé e a grama, indo morrer no coqueiro... onde era a linha lateral imaginária. Mais um urro e quase fui engolido vivo. Meu primo, conseguiu, de alguma forma, me blindar e nos organizamos.
Perto do fim, eu domino a bola outra vez, a segunda. Desta vez, consegui deixá-la junto do meu pé. E passei rapidamente a bola ao meu primo.
Oh, aquela camisa 10 deu o maior chute de todos os tempos. Impecavelmente passando por entre as cadeiras e o goleiro que sustentavam aquela nossa derrota eminente. Empatamos.
Acabou os 10 minutos. E o Bolinha disse que daria mais dois minutos de prorrogação. Nada. 1-1. E fomos às últimas consequências, os pênaltis. Cada time escolheu seu batedor.
O primeiro foi do time deles, o gordinho que tinha feito o gol, e acho que o nosso goleiro não entendeu o que era para fazer. Logo, gol deles.
Então, lá vai meu primo. Dono da bola, dono do time, o autor do gol de empate, com a camisa mais querida do Brasil, a 10 do Zico.
Ele bateu e a bola foi parar na outra casa.
E eu, com toda aquela sinceridade inerente aos meus sete anos:
- Cara, tu é muito ruim.

Ele tinha o coração na mão

... então, encheu um balde com água e sabão e enfiou-lhe seu coração.
Tirou, colocou e tirou outra vez, assim, repetidamente.
Até que devolveu-o ao próprio peito.
Eis aí um homem com o coração limpo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Bar dos Literários

Andava sem necessidade pela cidade. Pelo centro dela. Varava a noite alta tropical, os bares todos abertos e entro num.
E eis que me deparo com seis figuras, das quais nunca descrevi.
São seis personalidades desconhecidas verdadeiramente, contudo, mereciam algum sucesso. São literários, que todas as segundas-feiras reúnem-se na mesa 14 do Bar Zon e discutem todas as questões, físicas e metafísicas, do universo. Encontros marcados pela longa duração, vai até o taberneiro, seu Manoel, decretar que, de fato, o bar vai fechar. Marcados também pelo alto teor melancólico, pelas discussões desnecessárias e pelas lágrimas de um ou dois que revivem qualquer romance não-escrito por eles.
Eu apenas observo e não os conheço, como toda a gente desconhece. Portanto, não tenho como dar-lhes nomes, farei, pois, uma apresentação inicial.
Um é romancista contemporâneo, julgo eu, tem as calças desembainhadas, magricela e porta-voz das frases curtas. Sempre quis escrever um livro. Contudo, todas as suas estórias parecem acabar antes de chegar à segunda página.
Outro, um pouco mais escuro que os demais e com a pele mais machucada pelo sol, é um poeta popular. Detém aquela sabedoria popular, fala em quadras até num simples conversar.
Há o mais velho de todos, com uns vinte a mais em relação à média do grupo, que é, que vive há dois séculos atrás do nosso, veste roupas impecavelmente velhas e tem aquele ar romântico, ele quem dá mais melancolia às conversas. Sempre a lembrar dos tempos que eram diferentes dos atuais, apesar de parecer não ter vivido aquele tempo com tanta intensidade. Recita poemas ao léu, com os olhos voltados para o nada e com a expressão de estar vislumbrando o infinito.
O quarto literário, nunca o vi sorrir, tem um ar sério e uma barriga enorme. Cultiva um bigode que já inicia-se a ficar grisalho. É mais policial, teve algum sucesso, quando investigou o sumiço misterioso das taças do último campeão do torneio de futebol da ilha menor. Ele parece sempre saber dos bastidores de toda trama policial. Escreve muito, pouco produz.
Existe um que por pouco também me enganou. Trata-se de um ator jovem, que atua tão bem como escritor, que é, na verdade, um grande charlatão literário.
E há um, que vive na penumbra, num canto quieto e a fumar todos os cigarros do mundo. Acho que nunca ouvi a voz dele.
São os seis literários mais desconhecidos que reconheci terem talento para algo mais que as segundas-feiras no Bar Zon com vinho do Porto, um jogo de sinuca preguiçoso e o seu Manoel dizendo por vinte vezes que o bar fechou.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Ele e a camisa da Juventus

Estava ajoelhado. De costas, sem camisa. Aliás, com camisa, mas na mão. Quando notei, era a camisa da Juventus.
Trouxe as mãos para o rosto, inclusive a camisa. Não conseguia se conter. Ficava ele e a camisa da Juventus. Olhos fechados e a camisa da "Velha Senhora" abafando o som da boca.
O que se passou, eu não fui verificar. O que observei é que tinha um homem, beirando os quarenta e com a camisa da Juventus, comovido.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

No Escritório - 08


No escritório, trabalhávamos somente nós os dois, eu e Eliézer.
Uma manhã, levantei repentinamente e disse:
_ Vou fazer fotocópias.
_ Ok.
_ Adeus.
_ Adeus.

E fui fazer fotocópias.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

E-mail de Osvaldo [e estou de à São Tomé]

Quando chego em São Tomé, abro minha caixa de mensagens e lá está, assim em negrito [pois é mensagem não lida], Osvaldo de Mádraga.
Nem vejo mais os outros e vou direto à isso:

"Caro Simão,

Sei que minha repentina decisão foi nada elegante..."

Nisso, falei com a tela: - Tem razão.
Continuo:

"...mas, é que devo te confessar que não suportava mais ter que te trazer comigo."

- Mas, que filho duma...
Parágrafo seguinte:

"É que julgo que és uma pessoa tão talentosa e que não deve seguir em sombra de alguém [sic]. Sabe, não sou uma lenda, como tu andas escrevendo e dizendo para o mundo. Não reprimo, contudo, que me vejas assim. Afinal, quem é que não gosta de ser elogiado [sic]. Mas, dizia... não sou uma lenda. Não sou um salvador coisa nenhuma. Já me expliquei o que faço e já te disse também, não vou perder meu tempo tentando fazê-lo aqui.
O fato é que digo o óbvio, como até tu havia verificado em uma de nossas raras conversas. Digo o que a pessoas [sic] querem ouvir, nada do que digo é o que elas precisam ouvir. Sou desnecessário, uma bobagem sem finalidade. Porém, sou a vontade. Uma pífia palavra ou atitude já previsível a qualquer ser humano frente ao que vimos, porém o que a pessoa quer. Enfim, é isso.
Não sejas tolo e fique à sombra de mais ninguém. Soube da Lívia e sei dela mesmo que ainda há sim toda a saudade de ti. Ela não te entende. E tu não me parece com algum esforço de se fazer claro. É bom que te faça logo, antes que o tempo trate de tornar uma claridade nada triunfal.
Volta à tua ilha. Reflete um pouco. Veja bem o teu horizonte. Olha a casa que tu tens. Na verdade, Simão, tu tens um talento incrível! E há também, muitos que dizem de ti, não fazes ideia. Eu estou admirado com que tu és pelas palavras de outras pessoas e não de ti mesmo.
Fica aqui o meu agradecimento pela tua companhia. Mas, fica também, o meu conselho. E, talvez, eu realmente salve uma vida, a que mais quero - a tua.

Atenciosamente,

Osvaldo de Mádraga."

- E o idiota diz que fala o que as pessoas querem ouvir. Além de tudo, sabe nem escrever. Vai plantar batatas, Osvaldo! - resmunguei para o monitor.

[haja vista a quantidade de sic que coloco, para já enfatizar como e o que foi que eu li]