Sempre pousava na minha janela, um bem-te-vi. Havia um horário certo. Ele cantava daqui, outro respondia de um outro local. Passava alguns instantes pela manhã bem cedo, ia embora, e retornava para mais outros instantes no final da tarde. Não sei se era o mesmo. Para mim, era. Até comecei a sentir falta dele e do canto do outro quando eu não podia estar em casa no horário dele. Convenci, portanto, de que o bem-te-vi era meu. Afinal, pousava sempre à minha janela!
Um dia, deixei alguns pedaços de pão para enfastiar meu querido bem-te-vi. Com o tempo, passei a deixar quase todo dia. Antes de sair pela manhã, deixava os farelos de pão na beirada da janela. Quando voltava, no fim de tarde, não tinha farelos e o bem-te-vi estava lá. Cantava, esperava o outro, anônimo mas que deveria ter uma janela para ele e as mesmas cores, cantar e cantava novamente. Não tardava e ia embora. Sem se despedir nem nada. Considerava-o meu, mesmo assim.
Certo dia, veio uma andorinha e mais outra. E meu bem-te-vi não veio. No outro dia, vieram as andorinhas e mais outras andorinhas. E vieram pardais e pombos. Deixei de colocar os farelos de pães na janela. As aves eram tantas e subiam pelo telhado, invadiam a minha casa. A vizinhança já comentava e estranhava aquele tanto de aves pelas redondezas nunca antes vistas. O fato é que as tais andorinhas e os famigerados pardais não cantavam, faziam um barulho que ficava entre o histerismo e a loucura. Disputavam cada palmo do meu telhado! A rivalidade caía noite adentro. O silêncio havia se tornado um som raro em minha casa.
Passei a deixar a janela fechada. Não me interessava aquelas andorinhas, pardais e pombos. Eu queria ver o bem-te-vi.
Nunca mais vi o bem-te-vi. Nunca mais. Quando o considerei mais meu, foi quando o perdi.
Hoje, pela manhã, antes do céu clarear por um todo, escutei um bem-te-vi e outro responder. Meus ouvidos mal acreditavam no que ouviam, arrepiei-me todo. Fiquei na cama, de onde escutei o primeiro canto. Escutei o eco. Escutei de novo. Bem de perto. Não tive vontade de ir à janela. Fiquei imóvel, imaginando os seus gestos, a sua atitude juntando-se ao seu canto e ao canto do outro, anônimo e não por isso menos encantador.
Na verdade, ele nunca foi meu. Eu devia ter deixado a coisa acontecer naturalmente, sem ter que tomar-lhe como meu. Talvez, ele nem saiba minha existência. Talvez, ele nem mesmo saiba o que é existência. E é isso que o deixa ainda mais fascinante.
Canta, bem-te-vi. Canta, bem-te-vi do outro canto.
Devagarzinho embalando o meu início de manhã.
Hoje, então, fui outro.
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