segunda-feira, 26 de julho de 2010

Quando ela foi embora

Quando ela foi embora, as coisas dela ainda ficaram. Ela foi e deixou espalhadas pela casa as vidinhas que dava aos objetos que usava.
Ele chorava, sem palavras e sem som. Deixava a lágrima cair e não lutava. O sofá, ah..o sofá. A cama, ah...a cama. A cozinha, ah...a cozinha. Tudo ganhava uma poesia melancólica. E o rádio tocava o mesmo refrão. O mundo girava em torno dela, dele, deles dois...
Ela foi. Disse pra esquecê-la como se pede pra trazer o pão no fim da tarde. Aonde foi? Ele ainda ouviu um soluço enquanto ela esperava o elevador chegar, enquanto ele, atrás da porta, não lutava contra a lágrima. Aceitava, feria-se, mas aceitava. Resignado, arrependeu-se do mundo que até agora acreditara.
De que adianta lutar agora, hein? Nada vai mudar a partir deste momento. Uma hora, ele resolve que vai reinventar o mundo. Na outra, ele deseja tudo de volta...
Enquanto, ele se perdia nos pensamentos, nas intrigas, nas lembranças...ela estava com o olhar mais perdido dela. Ela, de frente ao espelho do elevador, não conseguia se ver. Tudo embaçava, tudo alagava...nem notou que havia mais alguém com ela. Quando chegou à rua, hesitou. Depois, andou mais um pouco e hesitou outra vez. E nesse caminhar e hesitar ia chegar à parada mais próxima. Ia pra casa, sem história pra contar. Acabou.
Ainda ecoando o verbo final na sua cabeça meio pesada, meio leve, ele levantou pra ir a qualquer canto. O estarrecimento cessara e foi assim que ele prometeu nunca mais amar alguém, sabendo que sempre amava alguém e que sempre ia ser assim. Talvez, a promessa mais fácil de quebrar porque já nascia descumprida.
As horas passaram até o dia virou. Não dormiam. Ele e ela, separados, ao mesmo tempo pensavam no que havia acontecido. O dia chegava e o trabalho tinha um fardo no meio do caminho. O trepidar da condução não incomodava como outrora, nem o calo das passadas apressadas e apertadas pelo salto dela. Havia algo melancólico no dia.
O dia passou e depois foi a semana, e foi o mês também. Nada mudava, a melancolia era rotina dele e dela. Entretanto, não faziam algum esforço pra sair de tal situação, afastando ambos do que havia de concreto e subexistindo à base das abstrações e conjecturas de ter feito qualquer coisa.
"Não acaba assim" - ele repetia ao fazer a barba pela manhã.
"Quando isso acabar..." - enquanto ela tomava banho, achando que a melancolia dos dias sem ele esvaía com o tempo.
Os momentos passavam, os feriados iam. Acabara toda aquele frenesi de mais um sábado à noite. Havia algo errado entre e para eles. Decerto.

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