quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Conheci uma menina do Cabo Verde

Andando pela minha costa - costa da minha ilha - conheci uma menina. Bem escura, o que já me deixou impressionado. Mas, era uma negra diferente das que há na minha ilha. Esta, olhou para mim.
Um trocar de palavras e conheci-a. Conheci a menina do Cabo Verde...
Mora numa ilha, assim como eu. E sente uma vontade de sair de lá. Quando sai, quer voltar. Assim como eu. E já interessei-me todo por ela. A ilha, tão pequena como a minha, é incrustada na sua vida. É tão imensa, pois não há saída, sempre quer voltar para lá. Sempre quer sair de lá.
Ela diz que vem da Praia, capital. E isso já é sensacional. Conta umas ideias, não entendi bem.
Ainda assim, fiquei mais admirado. Não só com a negridão, agora com as ideias dela.
Ela conta que na Praia, tudo é mais belo. Contudo, ela me disse que nunca havia conhecido alguém tão belo.
Então, meus amigos, eu dei-me que estou apaixonado pela menina do Cabo Verde, que mora na Praia, é negra, tem ideias que não entendo e acha-me belo.
Tão assim, que esqueci de perguntar o nome dela e o que ela realmente sente.

Versos de um poeta morto

Segue aquele barquinho, entra no mar,
Vai em frente, sem nem me olhar.
Aqui, já não há mundo. Não, não.
Eu não mereço o teu perdão.
Pega-o, teu barquinho, esquece-te de mim.
Ser um perfeito canalha, foi o que fiz.
Não me olhe assim, que tenho lágrimas no meu rosto.
Quanto mágoa fiz, quanto desgosto.
Oh.

Adeus,

Poeta morto.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Perseguiram-me

Depois do almoço, andei pela calçada daquela rua deserta. Uma que tem muita sombra, o sol castigava demais aquela uma hora da tarde. Caminhava naquele passo de quem anda com a barriga saciada, uma barriga de rei!
Quando menos noto, notei. Um folhear. Não, não. Algo movia-se comigo. Olhei para trás... nada. A mesma calçada com a sombra aliviante. Voltei ao meu passo, já desconfiado.
Outra vez, ouvi mais perto de mim. Umas passadas ligeiras, junto com o vento. Parei. Olhei em volta... nada.
Andei mais rápido e cheguei em casa. Rapidamente. Quando dentro de casa, espiei pela janela e, claro, com a porta já trancada.
Ninguém.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Salto alto

Simão:
- No andar de cima, um "toc toc".
Um andar feminino. Fico aqui embaixo, olhando o teto, chão do outro. Da outra. O salto alto, andando pra cá e pra lá. Uma mulher...
Deve ter as pernas torneadas, brancas, bem grossas, o corpo bem delineado num vestido preto confortável, naquele aperto sem apelo, naquela frouxidão sem folga. O corpo todo lindamente feminino; aquela cintura fina, os cabelos lisos, negros, a boca com os lábios meio carnudos meio finos.
Ah... e o perfume, ocupando todo apertando... de cima, claro, porque o meu, fede a suor de macho, com as minhas camisas penduradas pelo quarto e a louça na pia que teima em não ser limpa.
Deve ir à uma festa, enquanto se arruma...
Eu, no andar de baixo, debaixo daquele "toc toc" sensual de cima. Aonde esta moça vai? Deve estar linda.
Mascarenhas:
- É uma menina com as roupas da mãe.
Simão:
- Murchei.
Mascarenhas ri:
- Escreve isso! Escreve.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O futuro

Outro dia, perguntaram-me quando me casaria e quantos filhos queria. Não consegui responder nenhuma.
À primeira vista, parece depender muito mais de mim do que qualquer outra coisa. Mas, pareço esperar - como me dizem que pareço esperar - a minha favorita chegar...
Não chego a concordar, nem a discordar completamente. Chegado agora, este dia, não consigo ver-me um marido ou um pai de família. Sequer ao menos pareço almejar.
De ver uma ou duas crianças gritando no quintal ou uma mulher com quem envelheço junto. Compartilhando cada conquista e lamentando cada derrota. Não vejo.
De repente, vejo-me sem resposta direta, nem sendo uma daquelas utópicas. Uma daquelas que me fazem contar o que não acontece e tem-se a sensação de que, cedo ou trade, acontecerá. Não, não. Neste momento da minha vida, este sonho, este fim, esta vontade indomável dos homens de minha idade, não aparece em mim da forma que aparecia quando tinha vinte e poucos anos...
Não, não. Não agora.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Vi Lívia

Estava num café. O mesmo que íamos. Não consegui continuar o meu caminho naturalmente. Mal podia ser visto. Eu fiquei à sombra da árvore, do outro lado da rua.
Ali estava a Lívia. Não sei o que me deu, desta vez. Não fui atrás de conversar com ela. Pelo contrário, fiquei parado. Petrificado.
Enquanto ela colocava açúcar naquela xícara, com o olhar voltado para ela, sem nenhuma pretensão de voltar qualquer tipo de olhar.
Os cabelos presos daquela forma que sempre me desnorteou.
Não, fiquei apenas para ver. Para olhar.
"Se eu for lá, só vou me lembrar do que sou hoje, prefiro pensar nela da forma que sempre gostei. Hoje, sou apenas um homem com saudades dela, quando em outros tempos, fui o homem ao lado da mulher mais encantadora!"
E minha tarde acabou sem café. Pelo menos, vi Lívia, a quem tinha tantas saudades...